já podeis
da pátria, filho
ver demente
a mãe gentil
já raiou
a liberdade
em cada cano de fuzil
salve lindo
fuzil que balança
entre as pernas
a(r)madas da paz
Artur Gomes
FULINAIMAGEM
Rainha da Bateria da Mocidade Independente de Padre Olivácio - A Escola de Samba Oculta no Inconsciente Coleivo
já podeis
da pátria, filho
ver demente
a mãe gentil
já raiou
a liberdade
em cada cano de fuzil
salve lindo
fuzil que balança
entre as pernas
a(r)madas da paz
Artur Gomes
FULINAIMAGEM
antropofagicamente
vamos comer devorar 22
por dádiva do divino
ou desse ser que não tem nome
vamos comer - devorar 22
como quem come ossos bovinos
para não morrer de
tanta fome
Artur Gomes
TRÊS TOQUES PARA PENETRAR NA NOITE ESCURA DESTA
PÁTRIA A(R)MADA
1
Artur Gomes é daqueles poetas que não se contentam em grafar suas palavras apenas nas páginas de um livro. Ele inscreve seus poemas no próprio corpo, na própria voz. Misto de ator saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos ritmados e musicais redobram a força quando saltam do papel para a garganta. O CD Fulinaíma – Sax, Blues Poesia, que gravou em parceria com os músicos Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e ReubesPess, nos primórdios deste terceiro milênio, é uma das experiências mais bem-sucedidas da fusão entre poesia oralizada e música: os versos lancinantes surgem como navalhas de corte preciso entre os blues, bossas, rocks e baladas. Navalhas que acariciam, mas também cortam a pele do ouvinte.
Há delícia e dor em sua poética. Uma delícia sensual, sexual, que se explicita em versos como “poderia abrir teu corpo / com os meus dentes / rasgar panos e sedas // com as unhas /arreganhar as tuas fendas / desatar todos os nós // da tua cama arrancar os cobertores / rasgando as rendas dos lençóis”. Há dor por uma terra prometida e sempre adiada, “por uma bandeira arriada / num país que não levanta”. É nesse espaço entre a delícia e a dor que o trovador levanta sua voz e emite seus brasões em alto e bom salto, a plenos pulmões: “eu não tenho pretensões de ser moderno / nem escrevo poesia pensando em ser eterno / veja bem na minha língua as labaredas do inferno / e só use o meu poema com a força de quem xinga”.
2
Cada poeta escolhe sua tribo, reinventa seus ancestrais. A tribo de Artur Gomes vem de uma vasta tradição de trovadores inquietos e inquietantes, hábeis no trato do verso e ferinos no uso do humor, do amor e da revolta. Uma linhagem que vai de Arnaut Daniel a Zé Limeira e passa por Oswald de Andrade, Torquato Neto, Paulo Leminski e Uilcon Pereira, para listar alguns.
Cada poeta inventa também o território mítico onde mergulha sua poesia e sua própria vida. Alguns de maneira explícita, outros, mais velada. Há muitos anos surge na poesia de Artur o termo “Fulinaíma”, como uma Macondo espectral, que perpassa livros, sobe aos palcos, atravessa as faixas do CD. Seria um território de folias macunaímicas, uma terra de prazeres e ócios criativos, avessa ao eterno passado colonial que não conseguimos nunca superar, como o fantasma de antigos engenhos em que a “usina / mói a cana / o caldo e o bagaço // usina / mói o braço / a carne o osso // usina / mói o sangue / a fruta e o caroço // tritura suga torce / dos pés até o pescoço”?
3
Artur Gomes é também daqueles poetas que vivem reescrevendo seus poemas, reinserindo-os em outros contextos, reinventando “a poesia que a gente não vive”, aquela mesma que transforma “o tédio em melodia” - para relembrar Cazuza, outro bardo pertencente a mesma tribo. Quem acompanha sua trajetória errante e anárquica provavelmente vai identificar neste livro poemas já publicados em outros – porém, com modificações de tonalidades, de timbres, de intenções.
Se não é despropositado pensar que Dante Alighieri enxertou em sua Divina Comédia inúmeras desavenças políticas, sociais e culturais de sua época e mandou para o inferno pencas de seus inimigos florentinos, é interessante perceber este Pátria A(r)mada reinventado no contexto deste Brasil que retrocedeu décadas depois do golpe político-jurídico-midiático deflagrado em 2016. Esses tempos passarão, é certo, mas este livro ficará – como um potente desconforto, um desajuste, um desconcerto desse mundo cão e chão. Se vale como trágica
profecia – ao modo do cego Tirésias
–, após um breve período de sonhos que mais uma vez não se cumpriram, os olhos
abertos desses versos ecoarão
nos ouvidos de muitos e cortarão a carne de tantos:
“ó, baby, a coisa por
aqui não mudou nada / embora sejam outras siglas no emblema / espada continua a
ser espada / poema continua a ser poema”.
Ademir Assunção – poeta, escritor, jornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo (Melhor Livro de Poesia do ano). Poemas e contos de sua autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, e publicados em livros e revistas na Argentina, México, Peru e EUA.
entre línguas
a saliva entre os olhos
a bala
na pandemia
mais um morto estendido na vala
enquanto o genocida -
com sua ira assassina
cala
e mata com cloroquina
A vida
sempre em
suspense
alegria prova dos nove
fanatismo nã0 me convence
muito menos me comove
Artur Gomes Fuliaíma
olho de lince
para Tchello d´Barros
onde engendro
a Sagarana
invento
a Sagaranagem
entre a vertigem
e a voragem
na palavra
de origem
entre a língua
e a miragem
São Bernardo
e Diadema
mordendo: o vírus da linguagem
no olho de lince do poema
Navegar é preciso
para Fernando Aguiar
Aqui
redes em pânico
pescam esqueletos no mar
esquadras descobrimento
espinhas de peixe convento
cabrálias esperas relento
escamas secas no prato
e um cheiro podre no AR
caranguejos explodem
mangues em pólvora
é surreal a nossa realidade
tubarões famintos devoram cadáveres
em nossa sala de jantar
como levar o barco
em meio a essa tempestade
navegar é preciso
mas está dificilíssimo navegar
Deus não joga dados
mas a gente lança
sem nem mesmo saber
se alcança
o número que se quer
mas como me disse mallarmè
:
- vida não é lance de dedos
A vida é lança de dardos
Deus não arde no fogo
mas eu ardo
EuGênio Mallarmè
no país
da
pandemônia
se é corrupto branco rico
e fez parte de algum golpe
de estado
o mandato é de prisão
se é negro pobre favelado
o mandato é execução
poema a(r)mado
todo os dias
capino a esperança
escavando outras palavras
no chão desse quintal
e quando escrevo com enxada
o
poema é mais real
cacomanga
na roça desde cedo comecei a escavar
palavras e separar uma das outras de acordo com o seu significado dar farelo de
milho para os porcos e olhadura de cana para o gado aprendi que no terreiro não
dependo de mercado e para que urbanidade se a cidade não tem paz com a enxada
capinei a liberdade e descobri que ditadura é uma palavra que não cabe nunca mais
das veredas do silêncio
as vielas dos escombros
não sei mais por onde ando
nesse país esgoto
esgotada todas as possibilidades
da fala escrevo
dando descarga na privada
da latrina pública
no banheiro do palácio do planalto
Pastor de Andrade
quando escrevo e eu mesmo não entendo o significado de uma
determinada metáfora lanço a maldita no vento invento outra e vou ao centro do
universo e xingo teu nome garrutio lamparão de bico kabrunco de poema que não me dá sossego
Federika
Lispector
testamento
a tesoura rasga o tecido da carne
enquanto sangra
no processo cirúrgico do poema
corta de cada palavra a sílaba
que não presta
de cada frase a palavra
de cada sílaba a letra morfa
e o poeta vai vivendo no que resta
fulinaíma sax blues poesia
ela era Bruna
em noite de blues rasgado
soltou a voz feito Joplin
num canto desesperado
por ser primeiro de abril
aquele dia marcado
a voz rasgou a garganta
da santa loucura santa
com tanta força no canto
que até hoje me lembro
daquela musa na sala
com tua boca do inferno
beijando meus dentes na fala
obs.: esse poema foi escrito em noite de Fulinaíma Sax Blues Poesia, no dia 1º de Abril de 2015 – 50 anos do Golpe Militar de 1964, performance realizada no Bar e Restaurante Dona Baronesa, em Campos dos Goytacazes-RJ, com Artur Gomes, Reubes Pess, Dalton Freire e Bruna Tinoco.
No universo paralelo
Tenho doutorado Bíblico
Em chá de cogumelo
Federico Baudelaire
Pássaros Elétricos
Vivem a vida por um fio
Federika Bezerra
Deus não joga Dados
Mais eu
lanço
EuGênio
Mallarmè
Dê livros
Dê
Beijos
Dê Lírios
Gigi Mocidade
pan(demônica)
para
Salgado Maranhão
inspirado
no seu poema Pá
passeio os pés descalços
sobre covas rasas
contando ossos no poema exposto
no sujeito do objeto
tudo isso exposto
nesse papo reto
segue o passo norte
não leio cartas de suicídio
nem decreto de hospício
na tentação que me conforte
quero matar o genocídio
pra não morrer antes da morte
metáfora
Quem
cada poeta tem a sua pessoal linguagem vertigem voltagem espanto. alguns tem até desmaios. uns escrevem outros cantam outras falam. conheci um que me dizia ouvir vozes não só apenas Ferreira Gullar. uma outra queria ter meu fogo. uma outra é a mulher que só em sonhos sabe o quanto bem-me-quer. outra se assanhava diante do espelho. alguns são mágicos como uns que brincam com o sal do maranhão. outros são flechas certeiras atiradas em nosso peito. dois que conheci dando os primeiros passos um pensava na fábrica o outro em Regis Bonvicino, hoje um corsário o outro cult. nem sei porque estou escrevendo isso. é que ontem conversando com um por telefone descobri mais um montão de particularidades sobre ele. conheci um também grande mestre e amigo que só queria saber de escritemas e gostava de ensinar curto circuitos. agora esse é Quem e chegou ontem em Campos na casa da minha irmã depois de 2 meses postado nos correios em São Paulo. me lembro agora dos passeios com Flora na praça General Osório em Ipanema que encontrava sempre um que me dizia ter um poema escrito só com a palavra Bunda mas que só permitiria ser publicado depois da sua morte e gostava de afirmar também que prefácio não é bengala. eu sou um Homem Com A Flor Na Boca, de cactos, de lótus, de lírios que me trazem conteúdo. e baudelérico baudelírico despetalo pétala por pétala com espinhos com talo com tudo.
terra de santa cruz
ao batizarem-te
deram-te o nome:
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro
prata
rios
peixes
minas
mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme
II
III
salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás
IV
no Ipiranga
V
só desfraldando
a bandeira tropicalha
é que a gente avacalha
com as chaves dos mistérios
dessa terra tão servil
tirania sacanagem safadeza
tudo rima uma beleza
com a pátria mãe que nos pariu
VI
o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal quarta feira
na Geléia Geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é my Brazyl
minha verde/amarela esperança
Portugal já vendeu para França
e coração latino balança
entre o mar do dólar do norte
e o chão dos cruzeiros do sul
o sangue rola no parque
o sonho ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
e muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yank
ó baby a coisa por aqui
BraZílica
Pereira
neste país de fogo & palha
se falta lenha na fornalha
uma mordaz língua não falha
cospe grosso na panela
da imperial tropicanalha
não metam nestes planos
verdes/amarelos
meus dentes vãos/armados
nem foices nem martelos
meus dentes encarnados
alvos brancos belos
já estão desenganados
desta sopa de farelos
PESSOA
não tenho pretensões
de ser moderno
nem escrevo poesia
pensando em ser eterno.
veja na minha língua
as labaredas do inferno
e só use o meu poema
com a força de quem xinga.
GENITAL
pasto no cosmo
a soja secular de Jardinópolis
onde os discos-voadores
sobrevoam meu nariz
na cara das metrópoles.
no centro ao sul
os cemitérios
possuem mais mistérios
que a nossa vã filosofia.
tem um animal de vagina espacial
na poesia
&
e um grande pênis roxo
milenar
feito espiral em círculo
preparando imenso orgasmo
pra festejar o fim do século.
TROPICALIRISMO
GIRAssóis pousando
Nu – teu corpo: festa
beija-flor seresta
poesia fosse
esse sol que emana
no teu fogo farto
lambuzando a uva
de saliva doce.
LENÇÓIS
DE RENDA
poderia abrir teu corpo
com os meus dentes
rasgar panos e sedas
com as unhas
arreganhar as tuas fendas
desatar todos os nós
da tua cama arrancar os cobertores
rasgando as rendas dos lençóis
perpetuar a ferro e fogo
minhas marcas no teu útero
meus desejos imorais
maldizendo a hora soberana
com a força sobre humana dos mortais
quando vens me oferecer migalha e fruto
ALUCINAÇÕES
(IN)TERPOÉTICAS
O QUE é que mora em tua boca bia? um deus. um anjo. ou muitos
dentes claros como os olhos do diabo e uma estrela como guia?
O QUE é que arde em tua boca bia? azeite sal pimenta e alho résteas
de cebola um cheiro azedo de cozinha tua boca é como a minha?
O QUE é que pulsa em tua boca bia? mar de eternas ondas que
covardes não navegam, rios de águas sujas onde os peixes se apagam.
ou um fogo cada vez mais Dante como este em minha boca de
poeta delirante nesta noite cada vez
mais dia em que acendo os meus infernos em tua boca bia?
LUNÁTICA
um gato noturno
atira pedras nas estrelas
palavras e mais palavras
na carne da princesa.
onde o papel não bate
onde o pincel não toca.
o gato noturno lambe a barriga
bem perto da virilha
e trepa
no muro mais próximo
tentando alcançar o outro lado da lua
em seu instante letal
de desespero
e solidão.
FROYDIANA
azul são os teus olhos
a cor dos pelos não conheço
teus seios ainda não toquei
Dracena – é uma terra roxa
nave extra terrena
que humanos não decifraram
pequena vagina virgem
onde os dedos ainda não entraram
e os cachos de uvas
apodrecem nos teus dentes
com um cheiro de leite ardente
esguichando na distância
pátria a(r)mada
só me queira assim
caçado
mestiço vadio latino
leão feroz cão
danado
perturbando o seu
destino
e só me queira
encapetado
profanando aqueles
hinos
malandro moleque
safado
depravando os seus
meninos
só me queira
enfeitiçado
veloz macio felino
em pelo nu depravado
em sua cama sol à
pino
e só me queira
desalmado
cão algoz e
assassino
duplamente descarado
quando escrevo e não assino
alguma poesia
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e um cheiro de fêmea no ar devorador
aparentando realismo hipermoderno
num corpo de anjo
que não foi meu deus quem fez
esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos
que eu trago em minha alma um tanto
porca,
No próximo dia 23 às 16:hs à convite da minha amiga Renata Barcellos BarcellArtes estaremos nessa live em homenagem a memória de Antônio ...