domingo, 24 de agosto de 2025

Dani-se Morreale

 

        Atentado poético


a hipocrisia aqui é muita
liberdade muito pouca

com meus dentes

língua/navalha
vou rasgar a tua roupa

para esse poema bomba
explodir na tua boca

 

o

obscuro objeto do desejo

 

de pedra dourada ficaram portas
janelas de entradas e saídas
a sedução de dois olhos
em minha carne proibida
nem tanto pelo o que falo
nem tanto pelo que sinto
a vodka a cereja o conhac
o abismo  o labirinto


de pedra dourada
ficou um café orgânico
no teu sertão encantada
numa manhã de domingo
do outro lado da trilha
com tanta veraCidade
que me esqueci da idade
e me apaixonei por tua filha


de pedra dourada ficaram
olhos acesos do outro lado a janela
o espelho as contas de vidro
o jogo da sedução a maravilha
os passeios nas cachoeiras
os banhos de bar o carnaval
aquela delícia louca
o batom na minha língua
o cheiro das flores do mal
meu bem-me-quer a tua boca

 

bandeira nacional

 

com palavras
sons
imagens
versos
inauguro o monumento
no planalto central


araçá azul
domingo no parque
vapor barato
mal secreto

pérola negra
construção
cabeça Gothan City
poema concreto


arte poesia teatro cinema pós poema

terra em transe tropicália grande sertão
veredas vidas secas
memórias do cárcere


parangolés
hélio oiticica
artur bispo do rosário
bacurau

seja herói seja marginal

 

Beatriz a Faustino

 

pudesse eu divagar pelos teus poros
bosque do teu reino entre teus pelos
mergulhar contigo o mar da fonte
atravessar da carne a pele a ponte
penetrar no orgasmo dos teus selos


pudesse eu cavalgar por tuas crinas
no dorso cavalar onde deflora
deixando assim então de ser menina
e me tornar mulher por toda sina
no inferno céu da tua hora

 

tragédia infame


empresto minha voz aos deserdados os desnutridos

os que não tem pela manhã café com pão

e sobre a mesa no almoço nem mesa

nem carne seca com farinha


espinha de peixe na garganta

é o que sobrou pra curuminha


empresto meu corpo minha voz

a esses personagens

os que tem sede  os que tem  fome

ou os que morrem assassinados 

nos guetos  nos campos nas cidades

por balas de fuzil  está fudido o brasil

entregue as traças então me resta

exterminar o nome o sobrenome o apelido

do causador dessa desgraça

 

Artur Gomes

O Poeta Enquanto Coisa

Editora Penalux – 2020

Leia mais no blog

https://secretasjuras.blogspot.com/

      Dani-se morreale

 

se ela me pisar nos calos

me cumer o fígado

me botar de quatro

assim como cavalo

galopar meus pelos

devorar as vértebras

 

Dani-se

se ela me vier de unhas

me lascar os dentes

até sangrar o sexo

me enfiar a faca

apunhalar meus olhos

perfurar meus dedos

 

Dani-se

se o amor for bruto

até mesmo sádico

neste instante lírico

se comédia ou trágico

quero estar no ato

 

e Dani-se o fato

deste sangue quente

em tua boca dos infernos

deixa queimar os ossos

e explodir os nossos

poemas físicos pós modernos


Artur Gomes

O Poeta Enquanto Coisa

Editora Penalux – 2020

https://secretasjuras.blogspot.com/

Poétttica


Imburi – essa palavra estranha
só existe em são francisco
e me arrisco
a pensar que seja engano
o biscoito de polvilho
farinha branca no trilho
morreu mais um – menos nada
a tapioca na telha
e o sol sumiu na estrada

Artur Gomes Fulinaíma 

www.fulinaimacentrodearte.blospot.com

esfinge


o amor
não e apenas um nome
que anda por sobre a pele

um dia falo letra por letra
no outro calo fome por fome
é que a pele do teu nome
consome a flor da minha pele

cravado espinho na chaga
como marca cicatriz
eu sou ator ela esfinge
clarisse/beatriz

assim vivemos cantando
fingindo que somos decentes
para esconder o sagrado
em nosso profanos segredos

se um dia falta coragem
a noite sobra do medo

na sombra da tatuagem
sinal enfim permanente
ficou pregando uma peça
em nosso passado presente

o nome tem seus mistérios
que se esconde sob panos

o sol e claro quando não chove
o sal e bom quando de leve
para adoçar desenganos
na língua na boca na neve

o mar que vai e vem
não tem volta

o amor é a coisa mais torta
que mora lá dentro de mim
teu céu da boca e a porta
onde o poema não tem fim

artur gomes
http://juras-seecretas.blogspot.com 

Jura secreta 7


fosse sampa uma cidade
ou se não fosse não importa
essa cidade me transporta
me transborda me alucina
me invadeinter fere na retina
com sua cruel beleza

como Oswald de Andrade
e sua realidade
como Mário de Andrade
e sua delicadeza

Artur Gomes
https://secretasjuras.blogspot.com/

Goitacá Boy


ando por são paulo meio araraquara
a pele índia do meu corpo

concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na  carne clara

juntei meu goitacá seu guarani
tupy or not tupy
não foi a língua que ouvi
na sua boca caiçara

para falar para lamber para lembrar
de sua língua
arco íris litoral como colar de uiara
é que eu choro como a chuva curuminha
mineral da mais profunda lágrima
que mãe chorara

para roçar para cumer para tocar
na sua pele urucum de carne osso
minha língua tara
sonha lamber do seu almoço
e ainda como um doido curuminha
a lamber o chão da Guanabara

Artur Gomes
musicado e cantado por Naiman, no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia - 2002

clique no link para ver o vídeo
http://www.youtube.com/watch?v=Y0KKfii2BKY

Pedra Dourada


amo a pedra
onde mora
estive lá
já vim embora
assim sozinho
mas é como se a pedra
estivesse ainda em meu caminho

Artur Gomes

www.arturkabrunco.blogspot.com

Jura Secreta 98


fosse quântico esse dia
calmo claro intenso inteiro
20 de fevereiro
sendo assim esperaria

mesmo que em meio a tarde
TROVOADAS tempestades
insanidades guerras frias
iniqüidade
angústia
agonia
mesmo assim esperaria

20 horas
20 noites
20 anos
20 dias

até quando esperaria?
até que alguém percebesse
que mesmo matando o amor
o amor não morreria

Artur Gomes

www.secretasjuras.blogspot.com


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

eu quero o tempo tempo tempo

 

a chícara é apenas um detalhe para pensar dela o café distraindo os olhos de coruja presos no umbigo

penso em vão não escrever certa vez comecei um poema com vírgula as curvas dos seios no branco do papel o caminho entre tecidos sob a pele para o túnel onde não passam automóveis a vírgula não é ponto apenas um sinal no início do poema que não precisa ter ponto final apenas curvas em direção a outras curvas para encontrar as outras vírgulas no início do poema

eu quero o tempo tempo tempo mesmo que seja cedo antes que seja tarde amanhecia setembro em bento gonçalves eu já pensava a carne dos pelos das folhas das polpas das uvas no vale dos vinhedos do cachorro louco janelas do apartamento da cidade alta os poemas pintados por juliana as costas nua na  contra luz nascendo o dia antes arte do que nunca um congresso brasileiro de poesia quero o temo tempo tempo quero quero nos pampas vagalumes acendendo suas lanternas na garoa das madrugadas uma guria na esquina me pedindo um gole de cerveja quantas eras quantas anas já tivemos tantas já fizemos quantas e o quântico volátil como éter se evapora quando é luz do dia.

Tudo Arde - poema em construção


suspenso

       no Ar

não penso

atravesso o portão da sua casa

o corpo em fogo

a carne em brasa

tudo arde

nas cinzas das horas

no silêncio da tarde

vou entrando sem alarde

sem comício

como um pássaro

que acaba de cantar

em pleno hospício

Pontal Foto.Grafia


Aqui,
redes em pânico
pescam esqueletos no mar
esquadras – descobrimento
espinhas de peixe
convento
cabrálias esperas
relento
escamas secas no prato
e um cheiro podre no
AR

caranguejos explodem
mangues em pólvora
Ovo de Colombo quebrado
areia branca inferno livre
Rimbaud - África virgem –

carne na cruz dos escombros
trapos balançam varais
telhados bóiam nas ondas
tijolos afundando náufragos
último suspiro da bomba
na boca incerta da barra
esgoto fétido do mundo
grafando lentes na marra
imagens daqui saqueadas

Jerusalém pagã visitada

Atafona.Pontal.Grussaí

as crianças são testemunhas:
Jesus Cristo não passou por aqui

Miles Davis fisgou na agulha
Oscar no foco de palha
cobra de vidro sangue na fagulha
carne de peixe maracangalha
que mar eu bebo na telha
que a minha língua não tralha?
penúltima dose de pólvora
palmeira subindo a maralha
punhal trincheira na trilha
cortando o pano a navalha

fatal daqui Pernambuco

Atafona.Pontal.Grussaí

as crianças são testemunhas:
Mallarmè passou por aqui

bebo teu fato em fogo
punhal na ova do bar
palhoças ao sol fevereiro
aluga-se teu brejo no mar
o preço nem Deus nem sabre
sementes de bagre no porto
a porca no sujo quintal
plástico de lixo nos mangues
que mar eu bebo afinal?

www.secretasjuras.blogspot.com 

Santa Clara/Guaxindiba/Sossego –

 

não sei se clara

pode entender claramente

como amo

claro que nem tudo

ainda foi dito

escrito falado pensado

nem clara mesmo

imagina o quanto quero

e pode até se assustar

com tanta fala

mas clara ainda

não sabe que na sala

a vela acesa

em noite escura

ainda é clara

certa vez em vila velha na vitória do espírito santo trepei no bonde no centro histórico da cidade velha enquanto andra mirava seus olhos sobre os meus nada me disse em seu silêncio de dizer tanto

Artur Gomes

www.fulinaimargem.blospot.com


enquanto isso o tempo gira

 

ser ou não ser quando não é acaba sendo um teatro do absurdo a não realidade por onde escorrega toda lama por onde vaza toda e qualquer trapaça a olho nu a destruição como normalidade onde estamos como chegamos até aqui dessa forma tão estúpida entre correntes e algemas invisíveis a ditadura oculta dos que disfarçam as intenções premeditadas o rio emporcalhado nas ações clandestinas como se pregassem a coisa justa em nome do mercado deus da propriedade enquanto isso o tempo gira

Artur Gomes 

https://fulinaimargem.blogspot.com/

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Juras Secretas de um trovador contemporâneo

Juras secretas de um trovador contemporâneo

                                     por Adriano Moura

“Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz”. Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras Secretas, décimo terceiro livro do poeta Artur Gomes. Não que haja intertextualidade explícita entre a canção e os poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das principais marcas do poeta, recurso presente em seus livros anteriores.

Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política predominante, por exemplo, em Couro cru & Carne viva (1987). Em Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras” que preenchem o miolo do livro. 

Jura secreta 45

 

por enquanto

vou te amar assim em segredo

como se o sagrado fosse

o maior dos pecados originais

e minha língua fosse

só furor dos Canibais

E é com furor canibalesco que se nota, na tessitura poética de muitos versos, o poeta que se dedica também à leitura da literatura e de outras artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta devora tudo que o coração não diz para permitir que a poesia o diga. Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam o repertório de um leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde essas influências. Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem efeitos sonoros e imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e funcional.

Jura secreta 13


quantas marés endoidecemos

e aramaico permaneço doido e lírico

em tudo mais que me negasse

flor de lótus flor de cactos flor de lírios

ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse

Hilda Hilst quando então se me amasse

ardendo em nós salgado mar e Olga risse

olhando em nós flechas de fogo se existisse

por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse

 

Artur Gomes é um dos poucos poetas que mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se materializa por completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras Secretas oferece viagens estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí.

 

Jura secreta 43

 

com os seus dentes de concreto

São Paulo é quem me devora

e selvagem devolvo a dentada

na carne da rua Aurora

 

Adriano Carlos Moura

Mestre em Cognição e Linguagem (Uenf).

Professor de Literatura do IFF –

Doutor em Letras pela  Universidade Federal de Juiz de Fora-MG

fotos: Alice Maria Diniz

Transepoéticas I Festival de Brasília da poesia brasileira e Sax Blues Poesia

Museu da República – Brasília – junho de 2018

leia mais em 

https://fulinaimicamente.blogspot.com/

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Dani-se Morreale

          Atentado poético a hipocrisia aqui é muita liberdade muito pouca com meus dentes língua/navalha vou rasgar a tua roupa...