quarta-feira, 27 de agosto de 2025

múltiplas poéticas

                  Tecidos sobre a Terra

 

Terra,

antes que alguém morra

escrevo prevendo a morte

arriscando a vida

antes que seja tarde

e que a língua

da minha boca

não cubra mais tua ferida

 

entre aberto

em teus ofícios

é que meu peito de poeta

sangra ao corte das navalhas

e minha veia mais aberta

é mais um rio que se espalha

 

amada de muitos sonhos

e pouco sexo

deposito a minha boca no teu cio

e uma semente fértil

nos teus seios como um rio

 

o que me dói é ver-te

devorada por estranhos olhos

e deter impulsos por fidelidade

 

ó terra incestuosa

de prazer e gestos

não me prendo ao laço

dos teus comandantes

só me enterro à fundo

nos teus vagabundos

com um prazer de fera

e um punhal diamante

 

minha terra

é de senzalas tantas

enterra em ti

milhões de outras esperanças

soterra em teus grilhões

a voz que tenta – avança

plantada em ti

como canavial que a foice corta

 

mas cravado em ti

me ponho a luta

mesmo sabendo – o vão

estreito em cada porta

 

             MOENDA

 

usina

mói a cana

o caldo e o bagaço

 

usina

mói o braço

a carne o osso

 

usina

mói o sangue

a fruta e o caroço

 

tritura suga torce

dos pés até o pescoço

 

e do alto da casa grande

os donos do engenho controlam

:

o saldo e o lucro

 

                       Artur Gomes

poema dos livros: Suor & Cio

MVPB Edições - 1985

e Pátria A(r)mada

Editora Desconcertos – 2019

Prêmio Oswald de Andrade – UBE-Rio-2020 – lançamendo da segunda edição ampliada em 2022

gravado no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia

2002

 

                        PoÉticas ArturiAnas

www.arturkabrunco.blogspot.com

 



desconfiguração do corpo

 

os estilhaços do corpo

estão espalhados

nas cidades

:

pernas aqui

braços ali

cabeças acolá

na total desconfiguração

:

- cabeça/tronco/membros

as cidades estão entupidas

de fragmentos de populações

destroçadas em desespero

a crueldade é tanta

que dificilmente em qualquer cidade

se encontra um ser humano por inteiro

 

Artur Gomes

O Poeta Enquanto Coisa

Editora Penalux - 2020

www.secretasjuras.blogspot.com 

         metaforicamente

 

passarás

não verás

país nenhum

             nunca

tua carne desossada

nonada tão real

visceralmente explícita

onde tudo vale nada

desconhecido

 

eu quero ser

visto apenas

por entidades ocultas

           olhos invisíveis

pedras

peixes

plumas

pássaros

           as meninas do Leblon

 

as meninas do leblon

não sobem no vidigal

pensam que as pedras

lá de cima

cheiram mais que o anormal

 

mas a flor de lótus

           flor de cactos

           flor delírios

cheiram muito mais

            que as pedras

que elas não querem cheirar

no vidigal

 

                      Artur Gomes

O homem com a flor na boca

www.arturfulinaima.blogspot.com

com os dentes

cravados na memória

para Paulo Ciranda

 

em Itacoatiara o mar  me beijou a boca 

na praia no verão de dois mil e dezessete

sinto o gosto agora

como se Itaipu fosse Pedra Dourada

com um beijo de São Paulo

Itapetininga ou mesmo uma  Itaocara

onde estivemos  em mil novecentos

 e setenta e seis numa Balada Pros Mortais

que em mil novecentos e setenta e sete 

 transbordou Ave da Paz

primeira da nossa safra

com registro fonográfico

gravada por Biafra

depois em Miracema mil novecentos e oitenta e um

 dançamos com um Boi Pintadinho

nossa canção ao vento Fotografia Urbana

mais uma vez Itaocara mais  um Festival dos Festivais

em mil novecentos e oitenta e dois 

e a ciranda gira nessa roda gigante

que vai bordando sonoridades no tempo

 

Artur Gomes

PoÉticas ArturiAnas

https://www.facebook.com/arturgomespoeta

manguinhos

poema em linha torta

 

geograficamente

lapa para mim são 3

em campos no rio e em sampa

em mil novecentos e noventa em seis

quando publiquei sampleando

pela primeira vez

uma ninfeta paulista

me perguntou onde era

a lapa do poema

de manguinhos lhe respondi

:

o poema pode ser um beijo em tua boca

 

há tempos não tenho paciência

para respostas concretas

se no poema o poeta faz referências

a estação da luz av. paulista

consolação água branca barra funda

essa lapa só pode ser em sampa

né cara pálida ninfeta analfabeta


 Federico Baudelaire

https://www.facebook.com/federicoduboi


27 de agosto
com muito gosto
fazer setenta e sete
outra coisa me disse
fulinaíma
pra definir o que faço
o traço a cada compasso
pensado sentido vivido
estando inteiro
não par/ti/do
a língua ainda
entre/dentes
a faca
ainda mais afiada
a carNAvalha in/decente
escre/v(l)er
é tudo o que posso
pra desafinar os contentes
desempatar de/repente
o jogo dos reles bandidos
é tudo o que tenho feito
por mais que tenha sofrido
nas unhas dos dedos
nos nervos
na carnadura dos ossos

Artur Gomes

Hoje Balbúrdia PoÉtica especial
no Carioca Bar - Rua Francisca Carvalho de Azevedo, 17
Parque São Caetano - Campos dos Goytacazes-RJ
Espero vocês lá, a partir das 18h

leia mais no blog
Artur Fulinaimagens
https://fulinaimargens.blogspot.com/


terça-feira, 26 de agosto de 2025

Brazilìrica Pereira - A Traição Das Metáforas

 

Marielle Franco

 

o povo a ressuscitará

e ela virá cuspir na cara

do vizinho do assassino

que mandou matá-la

 

Rúbia Querubim

www.personasarturianas.blogspot.com

Lady Gumes apresenta

Federico Baudelaire

em

Um Lance De Dedos

com quantos silêncios se faz uma palavra oculta mesmo assim as claras foram comidas pelo mar nessas doidas aventuras a baía esplendia com seus morros e enseadas seriam talvez quatro da manhã quem foi aos infernos sem estar iniciado e purificado será precipitado na lama meus olhos faziam linha reta com a boca de fogo que atirava

salve-me rainha fui atrás e encontrei-a deitada com a saia completamente erguida tinha tirado a calça branca de algodão e a tendência de incorporar a infância mais no corpo social que no grupo familiar o tangenciamento desse nó górdio em que campos alertava para as relações dos dois manifestos que alertavam para as transformações do mundo salve-me rainha porque nessas questões da mulher e do amor a vitória não consiste somente na posse da verdade inquietante que ela com tanto brilho anunciara exigem uma análoga revolução na estruturação da linguagem contra a chibata e a carne podre que se lançava no mar ou então que se passem os olhos sobre a crise messiânica o homem sem profissão o verdadeiro cozinheiro das almas ela estava sentada numa cadeira sempre a mesma situação principalmente nesta peça ademir assunção e sua máquina peluda escrivocando sarcasticamente ao rei portugal saravá saravá meu rei pirei durante dois anos carreguei um inútil luto fechado fazia isso sem a menor cerimônia tensão palavras coisas no espaço tempo para penetrar o âmago sintético de suas virtualidades ao inserir suas reflexões no contexto mais amplo da dimensão sócio-cultural penetrar por entre as malhas das aparências apesar dar diferenças e divergências salve-me rainha aqui ali e acolá em paralelo a tudo isso que se pensa também mas é que ontem quando o trem passou na estação tinha se revelado um hábil condutor de navios tudo isso e maior drama e nada seria se o  rio grande não fosse o lugar do drama que hora desce sobre mim e sob o impacto do ciúme a gente atira em freud e o enigma reflui retruca com um outro refluxo de ciúme que retorna nas ciladas do incesto e se levanta para amaldiçoar o ovo salve-me rainha em torno da mulher os homens formam duas correntes completamente diversas e opostas sejamos portanto pós esses acenos levados de volta ao que nos cabe discernir antes disso porém lembramos ao leitor por falta de um objeto predestinado que deveria ser o próprio ser da sua existência então nos servimos de algumas declarações assim como uma antologia movido talvez por um sentimento de irresponsabilidade lampejos claros sobre uma confusão interminável embaralhando cartas sob a mesa existe realmente uma desordem sem uma única esperança ante a agonia salve-me rainha o ciúme que se tornou minha amante não por fruto de qualquer casualidade passageira ao mesmo tempo que não tem nenhum pudor de lançar mão penetrar fundo no lugar onde ela estava que na primeira oportunidade tive de estar com ela sozinho em casa procurei-a na cama e calmamente seguiu-se a mestra das artes de guerra do amor sob o arco da ponte transversal enquanto explicava que o seu órgão genital não tinha forças para escrever mais um romance para mim 

continua na próxima postagem

Artur Gomes

BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas 

www.braziliricapereira.blogspot.com 

Pátria A(r)mada

www.arturgumesfulinaima.blogspot.com

manguezal

                                      à Norma Crud Maciel

 

árvores? espectros que cravam garras

no solo tal qual imóveis aranhas

ramos retortos que lançam amarras

a construir devagar formas estranhas

 

colonos zelosos com suas plântulas

em marcha tardonha na lama quente.

 

rizóforos como imensas tarântulas,

lançando tentáculos lentamente.

 

pneumatóforos, raízes aéreas,

candelabro invertido, kendela.

ruídos soturnos, rios-artérias

paisagem de terror, embora bela.

a sabedoria dos manguezais

                    À Yara Schaeffer-Novelli

 

navegar milênios a fio,

semeando filhos na terra de cada porto,

é a tua fecundidade.

tentar caminhos por oceanos e continentes

é a tua paciência.

reconhecer os limites da natureza

é a tua sabedoria.

adaptar-se aos matizes do mundo

é a tua flexibilidade.

oferecer espaço e alimento

aos que buscam asilo e padecem fome

é a tua generosidade.

ressurgir sempre que cessam

os golpes de teus inimigos

é a tua vitalidade.

revelar incansavelmente segredos ocultos

é o teu mistério.

mangue fêmea

                                  para Rosa Maria

 

durante anos,

julguei-te apenas homem

pela potência

em fecundar a terra.

durante anos,

supus-te somente pai protetor

a acolher os teus alheios filhos.

certo dia, porém, um cheiro exalado

de tuas entranhas provocou forte excitação

em minha virilidade.

evocava mulher, à minha memória sexual.

era cheiro de ferro-óxid0.

era cheiro de sangue pisado.

era cheiro de mênstruo.

nova revelação:

fecundas mas é fecundado;

és pai e mãe;

és macho e fêmea.

hermafrodita, o que porém me fascina

é a tua face feminina.

é a tua sedução fescinina.

 

Arthur Soffiati

In O Direito E O Avesso Do Mangue

Poemas - 1999

fotos: Artur Gomes - Manguezal de Guaxindiba - 2017

rio amazonas

I 

mormaço da tarde o rio

               [segue

os homens  

 

refúgio nos barcos

 

as mulheres

               [banham

 

botos brincam na beira

 

II

 

o rio corre sem volta

                 [ao mar

restos de floresta

              [na correnteza

a ilha permanece

 

                                           alexandre barbalho

 

uma pausa na luta

manoel ricardo lima

[org.]     mórula editorial

NAÇÃO GOITACÁ

www.fulinaimagens.blogspot.com

rio de palavras

imagem FelipeStefani

DA CARNE DA PALAVRA

Tanussi Cardoso, poeta

Ator, produtor, videomaker e agitador cultural, o poeta Artur Gomes tem assinatura própria. SagaraNAgensFulinaímicas, seu mais novo livro, repleto de citações a partir do título, é a prova generosa do que afirmo: um inventário da pulsação de sua escritura, uma das mais iluminadas, entre os remanescentes da geração que se inicia nos anos 60-70.

Mesmo mirando certa desconstrução narrativa, o autor semeia as raízes culturais, germinadas naquelas décadas, que desabrocharam como furacão em nossa arte, principalmente vindas da canção popular, com sua palavra cantada, da poesia marginal, da Tropicália, do Concretismo, do poema-postal, da poesia visual, do cinema e, mesmo, dos quadrinhos.

Todo esse caldeirão cultural, todas essas referências e linguagens eram (são) muito próximas: Caetano, Gil, Torquato, Glauber, Leminski, Waly, Gullar, Hilda Hilst... E é desse quadro geracional (e bem lá atrás,Drummond, Murilo Mendes, Bandeira, Cabral, Quintana, Mário, Oswald e Guimarães Rosa - e principalmente -, a trilogia dos malditos: Rimbaud, Baudelaire e Mallarmé, além dos ecos do mestre beat, Allen Ginsberg), é desse manancial criativo que o poeta consegue desarmar o que nele se encontra envolto, de forma atávica, e reafirmar seus próprios tempo e potência, com o refinamento de sua fala.

Ao unir todo artefato onde exista possibilidade de poesia, Artur Gomes habita o lugar entre a palavra e a imagem, ao experimentar os sentidos que lhe chegam, sugando os afluentes existentes nas estruturas tradicionais de nossas artes, e reescrevendo-os a seu bel-prazer, num mix de nostalgia e futuro.

“visto uma vaca triste como a tua cara:
estrela cão gatilho morro
a poesia é o salto de uma vara”

De forma particular, o autor parece nos indicar algo que se confunde com transgressão, mas, ao mesmo tempo, mantém a linha tênue da poesia clássica, ao flertar com um romantismo de tintas fortes, e tocando, igualmente, o surrealismo, com uma violência verbal, que cheira à flor e à brutalidade. Cada poema possui sua própria respiração, pausa e pontuação emocionais. Quem não gostar de sangrar e ir fundo no mais recôndito dos prazeres é melhor não prosseguir na leitura, mas quem tiver coragem de encarar a vida de frente e se deliciar com versos saborosos e extremamente imagéticos, entre no mundo do poeta, de imediato, e sentirá a alegria de descobrir uma poesia a que não se pode ficar indiferente.

“a língua escava entre os dentes
a palavra nova
fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica”

Ainda que não pretenda novas experiências formais, o autor consegue alcançar perspectivas ousadas e radicais, em vários enquadramentos linguísticos, sempre disponíveis para o espanto, já que quando falamos de poesia, tocamos em lados inexatos, onde qualquer inversão de objetividade, e da própria realidade, é sempre bem-vinda. Sua poesia tem muito da desordem, da inobservância de regras, do não sentido, e apresenta um discurso contrário a certo pensamento lógico, fazendo surgir nas páginas do livro, algumas impurezas saudáveis.

“te procurei na Ipiranga
não te encontrei na Tiradentes
nas tuas tralhas tuas trilhas
nos trilhos tortos do Brás
fotografei os destroços
na íris do satanás”

SagaraNAgensFulinaímicas nos apresenta uma peça de tom quase operístico e, paradoxalmente, para um só personagem: o Amor. E o desenho poético dessa montagem pressupõe uma grande carga lírica, alegórica e, tantas vezes, dramática, ao retratar o som universal da Paixão, perseguindo a imagem ideal dos limites do desejo. Seus versos são movidos por esse sentimento dionisíaco, e por tudo que é excesso, por tudo que é muito, como na música de Caetano.

“te amo
e amor não tem nome
pele ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos”

E indaga e responde:

“até quando esperaria?
até que alguém percebesse
que mesmo matando o amor
o amor não morreria”

Em seu texto, há uma espécie de dança frenética, onde interagem os quatro elementos do Universo – Terra, Água, Fogo e Ar – numa feitiçaria cósmica em contínuo transe mediúnico. Poesia que é seta certeira no coração dos caretas e dos conformados, ao apontar para as possíveis descobertas inesperadas da linguagem, inebriada pela vida, pelo cantar
amoroso, pelo encontro dos corpos.

“e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa”

Dono de uma sonoridade vocabular repleta de aliterações e assonâncias, que remetem à intensa oralidade e à pulsão musical, refletindo no leitor o desejo de ler os poemas em voz alta, o poeta brinca com as palavras, cria neologismos, utiliza-se de colagens originais, e soma ao seu vasto arsenal de recursos, o uso das antíteses, dos paradoxos, das metonímias, das metáforas, dos pleonasmos e, principalmente, das hipérboles, através de poemas de impactante beleza. Esse jogo vocabular, que a tudo harmoniza, transforma a dinâmica do verso, dá agilidade, tensão e ritmo envolventes a uma poesia elétrica e eletrizante. Um bloco de tesão carnavalizante e tropical - atrás de Artur Gomes só não vai quem não o leu.

“quero dizer que ainda é cedo
ainda tenho um samba/enredo
tudo em nós é carnaval”

De forma lúdica e irônica, reconstrói, ou reverte, as intenções de Guimarães Rosa, quando Sagarana se mistura à ideia de paisagens e ao sentido de sacanagens; e às de Mario de Andrade - onde Macunaíma reparte seu teor catártico em poéticas folias, ou em fulias de imagens, ou seja, em fulinaímicas poesias, banhadas de caos e humor.

“é língua suja e grossa
visceral ilesa
pra lamber tudo que possa
vomitar na mesa
e me livrar da míngua
desta língua portuguesa”

Ao seguir de perto o conceito metafórico do processo crítico e cultural da Antropofagia, o artista ratifica seus valores, com sua língua literária, e reafirma o ato de não se deixar curvar diante de certa poesia catequisada pela mesmice e pelo lugar comum, distanciando-se da homogeneidade de certo academicismo impotente e de certos parâmetros poéticos com que já nos acostumamos. De acordo com o próprio autor, revelado em uma entrevista, SagaraNAgensFulinaímicas é um pedido de bênção a seus Mestres, imbuído do teor catártico que sua poesia contém, como o fragmento do poema que abre o livro:

“guima meu mestre guima
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste”

E afirma:

“só curto a palavra viva
odeio essa língua morta
poema que presta é linguagem
pratico a SagaraNAgem
no centro da rua torta”

No livro, os poemas se interpenetram, linguisticamente, libidinosos, doces e cruéis, vampiros de imagens ferrenhas,num aparente jogo de representação, onde o rosto do poeta se mostra e se esconde, de acordo com a mutação e o reflexo de seus espelhos interiores. Seus textos ora afirmam, ora desmentem o já dito, a nos lembrar um de seus ídolos, Raul Seixas, e a sua metamorfose ambulante. Sentimentos contraditórios, como se o autor quisesse, propositalmente, escorregar segredos pelos nossos olhos,ambiguamente, rindo de nós, a nos instigar: “Desnudem a minha esfinge!”

“eu não sou flor que se cheire
nem mofo de língua morta”

Na verdade, sua poesia apresenta vários (re) cortes, várias direções, vários abismos e formas de olhar a vida e o mundo. Como se o verdadeiro Artur se dissolvesse em outros, a cada poema, e essa dissipação o transformasse em alguém improvável, impalpável. Errante. Artur Gomes, ele mesmo, são muitos. E todos nós.Afinal, “o poeta é um fingidor”, ou não?

“a carne que me cobre é fraca
a língua que me fala é faca
o olho que me olha vaca
alfa me querendo beta
juro que não sou poeta”

Tantas vezes escatológico e sensual, numa performance textual que parece uma metralhadora giratória, o seu imaginário poético explode em tatuagens, navalhas, sangue, cicatrizes, punhais, facas, cuspe, pus, línguas, dedos, dentes, unhas, seios, paus, porra, carne, flores e lençóis, como um paraíso construído num inferno, e toca o nosso céu interior, nas ondas de um mar verde escondido em nosso peito. Na nossa melhor alma.

Sem falsos pudores, o autor procura, em seu liquidificador de palavras, misturar o erótico, o profano e o sagrado, com cortes de cinismo e grande dose de humana solidariedade. Equilibrista na corda-bamba, sem rede de proteção, entre razão e delírio, instiga dualidades com seus versos de alta voltagem poética. Com linguagem rebuscada, seu trabalho ultrapassa os limites das páginas do livro, e reverbera como tambor, mesmo após o término de sua leitura.

“a carne da palavra
: POESIA

l a v r a q u e s o l e t r o
todo Dia”

A poesia de cunho social é, igualmente, referência obrigatória em seu trabalho, desde o início de sua carreira literária, marcadamente, em Jesus Cristo Cortador de Cana, de 1979, mas, principalmente, no memorável e premiado O Boi Pintadinho, de 1980. Esses poemas político-sociais, junto ao tema amoroso, também encontramos em outras obras importantes do poeta, como Suor & Cio, de 1985, Couro Cru & Carne Viva, de 1987 e 20 Poemas com Gosto de JardiNÓpolis& Uma Canção com Sabor de Campos, de 1990, e se inserem em todos os seus livros posteriores, que culminam agora em SagaraNAgensFulinaímicas.

Em suas viagens imemoriais, o poeta mistura São Paulo, Copacabana, Búzios, calçadas, origem, chão, mares, cactos, sertão, onde tudo sangra de maneira violentamente bela e sem volta. Só a língua a ser reconstruída em poesia.

“ando por são Paulo meio Araraquara
a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara”

Artur Gomes sabe que ao escritor cabe proporcionar beleza e prazer. Entende que a poesia existe para expressar a condição humana, tocar o coração e a emoção do outro, e dar oportunidade para que seu interlocutor tenha chances de conhecer-se mais e melhor. Eque só há um meio de o poeta conseguir seu intento: cuidar e aperfeiçoar a linguagem. Sempre coerente, Artur Gomes sublinha o essencial de seu pensamento, ratificando em seu trabalho que as duas maiores palavras da nossa língua são amor e liberdade.

“a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala”

SagaraNAgensFulinaímicas veio confirmar o que os leitores do poeta já sabiam: Artur Gomes é um artista instigante, um cantador que desafia rótulos. No seu fazer poético, há um desfocar proposital da realidade, onírico e cinematográfico, que mergulha em constantes vulcões, em permanente ebulição – um texto em contínuo movimento.

Sua poesia metalinguística, plástica, furiosa, delicada, passional, corporal, sexual, desbocada, invasiva, libertária, corrosiva, visceral,abusada, dissonante, épica é, antes de tudo, a poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de palavras

                   desconcerto

para Artur Gomes

o poeta é um jogador
joga com palavras
letra por letra
sílaba por sílaba
com nomes sobrenomes
universo das coisas
artifício das cores
tira um sarro com metáforas
desconcerta a lírica
a métrica a fonética
e os significados
onde não tem sentido
enfeitiça o sub-mundo
enaltece o desdentado

Federika Lispector

www.personasarturianas.blogspot.com


Passaporte para uma viagem ao desconhecido


Novo e-Book do poeta Artur Gomes já está na fita, clica baixa gratuitamente e lê:
https://jidduksonline.com.br/ornitorrincobala-arturgomes.../


cacomanga

na roça desde cedo comecei a escavar palavras e separar uma das outras de acordo com o seu significado dar farelo de milho para os porcos e olhadura de cana para o gado aprendi que no terreiro não dependo de mercado e para que urbanidade se a cidade não tem paz com a enxada capinei a liberdade e descobri que ditadura é uma palavra que não cabe nunca mais

 Do livro Pátria A(r)mada

www.arturgumesfulinaima.blogspot.com

         Antropomágico
 Fulinaímico                           Transcedental


IncorporAção - incorporo dos Anjos quando Augusto me transporta em carne e couro para outras peles. Não me furto deixo no corpo fluir as temperâncias e a poesia vem do campo antropomórfico que a cruel realidade não me subtrai. Esse estado de coisas absurdas sobre os ombros é o que carrego e trato de me desfazer quando o peso não suporto. Mágico é sobreviver antropomagicamente no Caldeirão Fulinaímico onde Arte seja muito mais que a vida que não basta. ( com Tchello d'Barros) foto: Marcela Giannini na exposição Convergências no CCJF Cinelândia

fosse Alana

Clarice Ana
Elisa Clara Beatriz
em tudo que não me disse
em tudo o que não me quis

fosse girassóis
nos cabelos
a flor que Van Gog
me diz
teus olhos
cravados no espelho
o poema
que ainda não fiz

Em tudo que Ana não disse
teus lábios molhados
talvez só quisessem
a língua lambendo Clarice
na hora do amor se fizesse
um livro com hora marcada
no instante que ela quiser
na ora H de Clarice
em Ana nascendo a mulher

pele grafia


meus lábios em teus ouvidos
flechas netuno cupido
a faca na língua a língua na faca
a febre em patas de vaca
as unhas sujas de Lorca
cebola pré sal com pimenta
tempero sabre de fogo
na tua língua com coentro
qualquer paixão re/invento

o corpo/mar quando agita
na preamar arrebenta
espuma esperma semeia
sementes letra por letra
na bruma branca da areia
sem pensar qualquer sentido
grafito em teu corpo despido
poemas na lua cheia

Artur Gomes
Fulinaíma MultiProjetos
portalfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 – whatsapp

www.centrodeartefulinaima.blogspot.com

por onde andará Macunaíma?

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